POEMA

CONSELHO


Não peças nada aos deuses
nestes tempos de usura.
Não, não lhes peças nada.
Pede antes aos amigos.
Esses não levam juros.

Não peças nada aos deuses
nunca desças a isso.
Não, não lhes peças nada.
Pede antes ao teu cão
que nunca diz que não.

Não peças nada aos deuses
que nunca mais te deixam.
Não, não lhes peças nada
pois o que tu pedisses
jamais seria teu.

Ignora os deuses. Vinga-te.


Mário Castrim

PORTUGAL/1896

ERA ASSIM NAQUELE TEMPO...


«Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso de alma nacional - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira e da falsificação, da violência e do roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este, criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre - como da roda de uma lotaria (...)

A justiça ao arbítrio da política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas (...)

Dois partidos (...) sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar»

Guerra Junqueiro
(in «Pátria

CONTO

DISCUSSÃO


- Desconfio que a democracia não resulta. Juntam-se astronautas, bodes, camponeses, galinhas, matemáticos e virgens loucas e dão-se a todos os mesmos direitos. Isso parece-me um erro cósmico. Desculpa.

Desculpei mas fiquei ofendido. Que a democracia era aquilo mesmo, e ainda com conversa fiada como brinde, isso sabia eu. Que mo viessem dizer, era outra coisa.
Fiquei ainda mais ofendido, até porque não gosto de erros cósmicos.
Acho um snobismo.

- Eu sou democrata - rugi entre dentes, como resposta - Tenho amigos no exílio, todos democráticos. Foram para lá por serem democráticos. É um sacrifício que poucos fazem, ir para o exílio e ser professor universitário exilado e democrático.
Eras capaz de fazer isso?

- Não sou democrático.

Não havia resposta a dar, nenhuma. Ele não era democrático, não sabia de democracia.
Eu sim, sou democrático, até já quis ir à América, que me afirmaram que lá é que é a democracia.

Recusaram-me o visto no passaporte, disseram que eu era comunista!
Viram isto?


Mário Henrique Leiria
(in Contos do Gin Tónico)

A REMODELAÇÃO

TUDO NA MESMA, PARA PIOR

O ministro da Saúde sai - a política de Saúde do Governo continua.
A ministra da Cultura sai - a política de Cultura do Governo continua.

Ao que parece, os que entram pedem meças aos que saem:

a nova ministra da Saúde, aguarda julgamento ligado à monumental negociata que foi o Hospital Amadora-Sintra;
o novo ministro da Cultura foi o representante do Governo na monumental negociata com Joe Berardo*.

A remodelação serve, apenas e só, para deixar tudo na mesma, fingindo que tudo mudou - o que significa que tudo vai piorar.

* A propósito: no Diário da República, 2ª Série - nº 6 - 9 de Janeiro de 2008, pode ler-se:
«Nos termos e ao abrigo do artigo nº 6 do Decreto-Lei nº 164/2006, de 9 de Agosto, conjugados com o disposto na alínea a) do artigo 6º dos Estatutos da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo, aprovado pelo mesmo diploma, determino
1 - que o Fundo de Fomento Cultural atribua à Fundação Colecção Berardo a quantia de 500.000 E (quinhentos mil euros), correspondente à prestação devida durante o mês de Setembro de 2007.
2 - o presente despacho produz efeitos a partir de 1 de Setembro de 2007 e revoga o meu anterior despacho nº 28/MC/2007, de 31 de Agosto de 2007.

12 de Dezembro de 2007 - a Ministra da Cultura, Maria Isabel da Silva Pires de Lima»

OS VOOS DA CIA

A PERGUNTA NECESSÁRIA


Uma ong britânica denunciou a passagem por território português, em voos da CIA, de mais de 700 prisioneiros rumo às torturas de Guantánamo.

Não é primeira vez que esta questão é suscitada
Recorde-se que, em 2006, o PCP propôs a abertura de um inquérito parlamentar sobre esses voos - proposta que foi derrotada pelo PS, PSD e CDS/PP.
Ontem, o PCP retomou essa proposta - mas tudo indica que ela vai ser novamente rejeitada, já que, segundo o porta-voz do PS, Vitalino Canas, o relatório da ong «não vem acrescentar nada»...

Os voos da CIA em território português ocorreram, pelo menos, entre 2002 e 2005, ou seja, durante os governos PS(D) de Guterres, Barroso, Santana e Sócrates.

Há muitas provas de idênticos comportamentos por parte de vários governos europeus. Sabe-se, até, que alguns deles criaram prisões secretas nos seus países, colocando-as à disposição da CIA.

Perante isto, há uma pergunta que importa fazer ao governo:

Em Portugal existem, ou existiram, algumas dessas prisões secretas?

A resposta é simples: SIM ou NÃO.

O meu clube

Não resisti a partilhar este vídeo. Um pequeno resumo do fantástico jogo que o meu clube realizou esta jornada. Resultado final Atlético 5 - 2 Juv. de Évora. Espero que gostem.

NA MORTE DE SUHARTO

QUE A TERRA LHE SEJA PESADA


Morreu Suharto! Finalmente!
Infelizmente, sem ter sido julgado e condenado pelos crimes que cometeu.

Da acção desta besta sanguinária durante os mais de 30 anos (1967/1998) em que oprimiu e reprimiu o povo indonésio, pode dizer-se que ela se traduziu numa barbárie.
Não cabe no espaço de um post a referência pormenorizada à sucessão de crimes cometidos pelo facínora Suharto.
É indispensável, no entanto, referir a invasão e ocupação de Timor-Leste, por ele ordenada, com o apoio dos EUA, em 1975 - e que provocou a morte de cerca de 200 mil pessoas.

Da mesma forma, constitui um imperativo incontornável relembrar o massacre de comunistas, perpetrado no decorrer e na sequência do golpe com o qual Suharto - com o decisivo apoio da CIA - derrubou o regime do general Sukarno, em 1967.

Em 1967, o Partido Comunista Indonésio (PKI) contava com mais de 2 milhões de militantes e tinha uma forte influência junto de amplas camadas da sociedade indonésia.
Por isso - e porque era o PKI - ele foi o alvo prioritário do ódio dos golpistas chefiados por Suharto e orientados pela CIA - uma acção que a CIA, como se nada tivesse a ver com o assunto, classificou de «um dos piores massacres em massa do século XX».

Na base de listas de nomes e moradas fornecidas pela CIA aos golpistas, mais de 500 mil militantes comunistas foram assassinados no decorrer da concretização do golpe.
Nos dias e meses seguintes, a matança prosseguiu: às ordens de Suharto, mais de um milhão de militantes do PKI foram assassinados e centenas de milhares enviados para «campos de trabalho» - onde dezenas de milhares permaneceram durante mais de 20 anos.

Sublinhe-se que a acção de Suharto entre 1967 e 1998 foi, de princípio ao fim, apoiada pelos vários governos dos EUA - naturalmente, em nome da «democracia, da liberdade e dos direitos humanos»...

Aqui fica a sentida homenagem do Cravo de Abril aos camaradas indonésios assassinados e presos por Suharto e pela CIA.

Les Bourgeois- Jacques Brel

A CGTP-IN É O ALVO

«QUEBRAR A ESPINHA À INTERSINDICAL»


Ontem foi o Público. hoje é o Diário de Notícias: primeiras páginas e páginas interiores com cozinhados gémeos nos ingredientes usados: a mentira, a intriga, a manipulação e, até, uma ou outra pequena verdade - verdade manipulada naquele sentido de que falava o António Aleixo:

«P'rá mentira ser segura
e atingir profundidade
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade».

E ainda agora a procissão vai no adro. Não tenhamos dúvidas: estamos apenas no início de uma nova fase da poderosa operação cujo objectivo, hoje como de há mais de três décadas a esta parte, é «quebrar a espinha à Intersindical».

O alvo é, de facto, a CGTP-INTERSINDICAL NACIONAL, conquista maior da classe operária e dos trabalhadores portugueses, construída durante o regime fascista, componente essencial da Revolução de Abril e das suas conquistas históricas e, posteriormente, da luta contra a política de direita com a qual o PS e o PSD, há mais de três décadas, vêm tentando destruir todas essas conquistas.

Os métodos utilizados na ofensiva actual são os mesmos de sempre: os mesmos argumentos; o mesmo ataque raivoso ao partido que, desde há 87 anos, é o Partido da classe operária e de todos os trabalhadores; a mesma repetição exaustiva de falsidades, de calúnias, de provocações - enfim, o mesmo despudorado vale-tudo a que recorrem para cumprir a tarefa patronal.

Os objectivos são evidentes: liquidar a CGTP-IN como ela é - unitária, de classe, de massas, democrática e independente - e integrá-la no rebanho do sindicalismo amarelo que ameaça ser dominante na Europa. Aquele sindicalismo que, em Outubro - quando mais de 200 mil trabalhadores traziam à rua o seu protesto e as suas exigências - negociava, lá dentro, a flexigurança - na sala ao lado daquela onde outros lacaios negociavam o Tratado, porreiro, pá...

Mais uma vez, a ofensiva é forte. E, mais uma vez, a força organizada dos trabalhadores vencerá.

O PRATO DO DIA

COZIDO COM TODOS


Receita
Ingredientes:
Dois quilos de mentiras do lombo; meio quilo de meias-mentiras do cachaço e outro tanto de meias-verdades da alcatra; 5 gramas de verdades de fumeiro em pó; gorduras várias (de preferência importadas: não importa donde, desde que venham da Europa e, ou, dos EUA); cinco quilos de modernidade-sindical (ms); anticomunismo-com-barbas (acb) que baste.

Dos ingredientes fazem parte, ainda: os donos do cozinhado, cujos nomes em caso algum podem ser revelados, não obstante serem do conhecimento geral; o maior número possível de ajudantes-de-cozinha (adc) - sem os quais não há cozinhado; e as fontes anónimas (fa), que verterão na comunicação social dominante tudo o que se considere necessário para a boa execução da receita (quando a situação o exigir, estas fa devem identificar-se publicamente, exibindo os respectivos currículos).

Confecção:
Cobre-se o fundo de um tacho grande - muito grande! - com as gorduras importadas, junta-se-lhes um suculento naco de acb e põe-se ao lume. Quando as gorduras estiveram derretidas, adiciona-se um terço das mentiras do lombo, um reluzente pedaço de ms, e vai-se mexendo (para o que deverão entrar de serviço de escala dois ou três adc escolhidos a dedo).
Antes de cheirar a esturro, junta-se uma parte das meias-verdades da alcatra e, se for necessário, pode acrescentar-se um salpico de verdades de fumeiro em pó.
Deixa-se cozer em lume brando, mas sem parar de mexer (entra de serviço outra brigada de adc, sempre escolhidos a dedo), e vão-se adicionando, em pequenas quantidades, todos os ingredientes, por esta ordem: mentiras do lombo, acb, ms, meias-mentiras do cachaço, acb, ms, meias verdades da alcatra, acb, ms, e assim sucessivamente. As verdades de fumeiro em pó devem ser utilizadas com rigor cirúrgico: um salpico a menos ou um salpico a mais pode ser a morte do cozinhado.

Se os donos do cozinhado não estiverem impacientes de fome, repete-se esta operação até à utilização de todos os ingredientes.
Se a impaciência for notória, mistura-se tudo de uma só vez.
Se a impaciência assumir carácter de urgência, tapa-se o tacho bem tapado, põe-se o lume no máximo, deixa-se cozer (se necessário, e em extrema urgência, até cheirar a esturro) e serve-se, com efeitos especiais, nas primeiras páginas da comunicação social dominante.

Cinco advertências essenciais:
1) - Nunca - mas nunca! - esquecer quem são e o que querem os donos do cozinhado, e nunca - mas nunca! - revelar os seus nomes;
2) - Nunca - mas nunca! - esquecer que o anticomunismo-com-barbas é o ingrediente fundamental do cozinhado;
3) - Nunca - mas nunca! - parar de mexer o cozinhado, recrutando-se no centro comercial da modernidade-sindical todos os ajudantes de cozinha disponíveis e pagando-lhes o que for necessário - ou a pronto, ou com promessas de futuro, ou;
4) - Nunca - mas nunca! - deixar secar as fontes anónimas, que constituem tempêro indispensável em cozinhados desta natureza - mas recorrer às fontes identificadas e com currículo sempre que as circunstâncias o exijam;
5) - Nunca - mas nunca! - ultrapassar os 5 gramas de verdade de fumeiro em pó. Como acima se disse, um pequeno salpico a mais ou a menos, é suficiente para que o cheiro a esturro leve os trabalhadores a torcer o nariz ao cozinhado e a continuar a luta - cada vez mais unidos e cada vez com mais força, contra os donos do cozinhado.

POEMA

(POR BAIXO DE UMA FOTOGRAFIA DE HITLER)


Isso que aí está, esteve quase a governar o mundo.
Mas os povos dominaram-no. No entanto,
desejaria não ouvir o vosso triunfante canto:
o ventre, donde isto saíu, ainda é fecundo.


Bertolt Brecht

POEMA

CICLOS EVOLUTIVOS


No início,
eu queria um instante.
A flor.

Depois,
nem a eternidade me bastava.
E desejava a vertigem
do incêndio partilhado.
O fruto.

Agora,
quero apenas
o que havia antes de haver vida.
A semente.


Mia Couto

O bichinho

Estou no meu local de trabalho, começo a ouvir uma voz forte e convicta, intermediada por um megafone, a gritar palavras de ordem, outras vozes se juntam e como que em uníssono repetem-nas. Parece um mar de vozes de gente. A luta continua, governo para a rua!

Não posso sair para ver o que se passa, mas vou à janela, lembro-me… para hoje foi convocada uma concentração pela Intersindical, pela Contratação Colectiva, em frente à CIP.

Sento-me, levanto-me… Tenho vontade de me esgueirar e juntar-me a eles. Ai o bichinho!
Repito baixinho o que consigo perceber. Abri a janela, estou a acompanhar tudo.
Neste momento, o país não se endireita


A LISTA DO TERRORISTA

JAVIER SOLANA: UM CRIMINOSO DE GUERRA


Com o fascista Uribe a seu lado, Javier Solana - Alto Comissário da União Europeia para a Política Externa e para a Segurança Comum (PESC) - disse que «não tem nenhum motivo para retirar as FARC da sua lista de organizações terroristas».

A declaração não surpreende. Surpresa seria que Solana - homem de mão do grande capital internacional e criado para todo o serviço do imperialismo norte-americano - declarasse o contrário.

Basta olhar para o seu currículo a partir de 1965, ano em que foi para os EUA onde, com uma bolsa da Fundação Fulbright, frequentou diversas universidades - e donde regressou seis anos depois.
Basta ter em conta a sua ascensão fulgurante no PSOE e o facto de, a partir de 1976 e durante treze anos, ter sido ministro dos governos de Filipe Gonzalez (ministro da Cultura, para começar; da Educação e da Ciência, a seguir; finalmente, dos Negócios Estrangeiros).
Basta lembrar a intensa actividade que desenvolveu na campanha contra a presença da Espanha na NATO (chegando, mesmo, a publicar um livro com «50 razões para dizer NÃO à NATO») - e, logo a seguir, a intensa actividade que desenvolveu na campanha pelo SIM à NATO.
Basta lembrar que, cumprida essa e outras tarefas, entenderam os patrões do Império premiá-lo com o cargo - vejam bem! - de Secretário-Geral da NATO - e que esse prémio decorreu da necessidade de os EUA terem nessa função um lacaio às ordens, já que era necessário liquidar a Jugoslávia. Foi assim que, sem autorização da ONU - mas a mando dos EUA e em nome das habituais «preocupações humanitárias» - Solana ordenou os brutais bombardeamentos contra alvos civis na Jugoslávia, assassinando milhares e milhares de inocentes.
Basta lembrar que, cumprido com êxito o trabalho sujo, o criminoso de guerra Solana foi novamente premiado: com fortes influências dos EUA, passou a ser o «Senhor PESC», de facto o cargo mais importante na União Europeia.

Lembrando tudo isso, é fácil perceber que na «lista de organizações terroristas» do terrorista Solana estejam as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - e não esteja o autor da lista, nem o governo fascista de Uribe, e muito menos o maior e mais perigoso centro do terrorismo internacional: o governo dos EUA.

23 de JANEIRO de 1950

JOSÉ MOREIRA


Operário, funcionário clandestino do PCP, era o responsável pelas ligações com as tipografias clandestinas do Partido.

Preso, a PIDE não lhe arrancou uma única informação, torturando-o barbaramente até à morte, ocorrida em 23 de Janeiro de 1950.

Pouco tempo antes da sua prisão e assassinato, escreveu:

«Uma tipografia clandestina é o coração da luta popular. Um corpo sem coração não pode viver»

JURDAN LUTIBRODSKI

DIGNIDADE REVOLUCIONÁRIA


Jurdan Lutibrodski, operário, militante comunista, foi preso em meados de 1934 pela polícia da ditadura fascista que, então, oprimia e reprimia o povo búlgaro. A mulher estava grávida.
Em Dezembro desse ano foi condenado à morte. Nunca viu o filho, entretanto nascido.
Em Maio de 1935, pouco antes da data da execução, os fascistas propuzeram-lhe o perdão da pena e a libertação se assinasse uma declaração condenando a sua actividade revolucionária, renegando-a e exortando os seus camaradas a fazerem o mesmo.
O pai de Jurdan, desesperado, escreveu ao filho suplicando-lhe que assinasse a declaração.

Eis a resposta do jovem Jurdan Lutibrodski ao pai:

»Prisão de Varna, 3 de Maio de 1935

Querido pai:
Recebi a tua carta há alguns dias. Aconselhas-me a tudo fazer para escapar à forca. E escreves: «Fá-lo ainda hoje porque amanhã será tarde de mais».
Não compreendes que essa proposta não é a salvação, mas a morte, ainda que me reste a vida?
Para que o compreendas, é preciso examinar a questão a fundo.

Acutalmente, a burguesia conseguiu desfechar golpes severos sobre o proletariado e o seu Partido. Mas será que isso quer dizer que a dominação burguesa esteja estabilizada e a vitória final não pertence ao proletariado? Não! Se não for hoje, será amanhã: o proletariado vencerá a classe agonizante e, graças ao seu Partido, impulsionará o desenvolvimento da sociedade humana. Nós, filhos dessa classe ascendente e membros da sua vanguarda consciente, não devemos temer pelas nossas vidas e, assim, sacrificar o prestígio do Partido.
Para que queremos, pai, as nossas vidas, se nos sujeitarmos à condição de cadáveres vivos com o auxílio dos quais a classe reaccionária se esforçará por levar a decomposição às fileiras do proletariado revolucionário?
E eu, pai, a quem eles teriam deixado viver para prolongarem a sua própria existência, para que quereria eu a minha vida?
Não, antes morrer permanecendo vivo no coração da minha classe! Antes morrer do que ser cadáver vivo e fedorento!

Dizes-me: «Pensa na tua companheira e no teu filho, pensa na Marta e no Ilitch, que farão sem ti?».
Eu penso muito neles, pai. Eu mesmo não sei como exprimir-lhes o amor que lhes tenho. Quando penso neles, uma amargura imensa apossa-se de mim e sinto como que um chumbo no meu peito, um sofrimento que me obriga a cerrar os dentes tão fortemente que rangem - e, não obstante, prometo a mim próprio resistir, conservar as minhas forças e continuar combatendo até ao último momento contra a classe que é responsável, não apenas pelo facto de o meu Ilitch ficar sem mim, mas também pelo facto de milhões de famílias terem que viver na miséria, nas privações e na fome.

Em vista dos milhões de desempregados, do perigo de uma nova guerra cujo horror é inconcebível para o cérebro humano, em vista de milhões de vítimas que abaterá, não apenas entre os soldados, mas também entre as mulheres e as crianças, em vista de todos os horrores que o capitalismo nos traz e nos trará ainda, como poderia eu dar ao inimigo uma arma para ele continuar a sugar o sangue dos trabalhadores? Não! Não o posso fazer!

Para responder a este maldito capitalismo, não vejo outra saída senão a apontada pelo meu Partido, a saída que conduz à completa libertação económica e política do proletariado.
A minha vida foi uma luta, uma luta para conquistar essa saída. E se a burguesia búlgara entende condenar-me à morte, isso quer dizer que permaneci filho fiel da minha classe, filho fiel do meu Partido.
E isso bastará para ti, para a Marta, para o meu Ilitch que nunca vi, mas que saberá que o seu pai lutou e tombou nessa luta e as razões pelas quais o fez; saberá que o seu pai preferiu cair na luta a cobrir-se de vergonha.
Certo: é duro esperar a morte a qualquer momento, estremecer ao menor ruído, contar-lhes os passos... Aí vêm eles, vêm para te levar... o coração bate até estalar...
E quando os passos se afastam, caio no catre como um fruto maduro cai da árvore. E chamo pela morte: a agonia é terrível, a morte não.

E precisamente neste momento, o inimigo tenta obter de mim que condene toda a minha actividade revolucionária. E sabes, pai, o inimigo já tentou isso várias vezes, já tentou várias vezes o triunfo de poder ir dizer: Vêde, mais um filho pródigo que volta à razão, que lamenta o que fez!
É com tais ignomínias que o inimigo quer enfraquecer a confiança no Partido e prolongar a existência dessa classe exploradora.
Não, pai, não participarei nesse jogo ignóbil.

Marcharei calmo para a forca e com a consciência de, na minha curta vida dedicada à luta pela liberdade, não ter enxovalhado nem o nome meu Partido, nem o teu nome, pai.

E, quando me colocarem a corda à volta do pescoço, gritarei: Cabeça erguida, pai, mulher amada, meu filho querido que nunca vi! Camaradas, avante!
Embora paga com duros sacrifícios, a vitória é nossa! Quem estiver disposto aos sacrifícios vencerá! Mortos fisicamente, os combatentes continuarão a viver na consciência do proletariado vitorioso. E os filhos dos que morreram lutando colherão os frutos da luta que os seus pais travaram.
Tu, também, meu pequenino Ilitch, que não posso beijar nem pela primeira nem pela última vez.

Jurdan Lutibrodski»

Jurdan foi executado em fins de Maio de 1935. Perante a forca, gritou o seu desprezo pela ditadura e a sua confiança na vitória final do proletariado.

21 de Janeiro de 1924

Cumprem-se hoje 84 anos, morria Lénine, revolucionário, dirigente do Estado Soviético, da III Internacional e do Partido Bolchevique. Lénine dedicou a sua vida à libertação do proletariado e de todos os povos da Terra, luta que continua nos dias de hoje, e para a qual, o seu exemplo de revolucionário e os seus contributos práticos e teóricos, continuam a ser instrumentos fundamentais.

Musas

A 19 de Janeiro de 1942 nascia Nara Leão e a 19 de Janeiro de 1982 falecia Elis Regina, recordando estas grandes vozes deixo-vos duas interpretações destas musas da MPB.





Mineiro de Aljustrel


Anteontem foi um dia triste. Muito. O Grupo fez luto. Um dos (ex) mineiros calou-se para a vida e a vida calou-se nele. Era um amigo pai de um amigo. Para o amigo vivo este abraço. Para o amigo morto apenas isto. Que permaneça uma certeza: na próxima vez, nas próximas vezes que se ouvir o Hino dos Mineiros jorrar destas gargantas será para ti amigo que foste. Todos os pensamentos, e lágrimas - e lágrimas ! - serão para ti, amigo que assim és. Morreu um camarada! Na tua morte um outro se levanta! Porque, afinal, como cantavas: em cada fio de vontade são dois braços, em cada braço uma alavanca!

Belmiro de Azevedo- não te chega já...?

Bem sabemos que a fortuna de 3,5 mil milhões de dólares do Belmiro de Azevedo não foi conseguida com o seu trabalho suado senão com o trabalho suado dos seus explorados trabalhadores. E hoje, quando me dirigi ao Continente do Centro Comercial Colombo, fiquei realmente assustado. E tremi de medo e de compaixão pelos desempregados à custa das mesquinhices de tão empertigado bilionário. Se há cerca de 6 anos se reduziu consideravelmente (e o consideravelmente traduz-se em milhares) o número de funcionários ao colocar a balança da fruta nas caixas (que dantes era um posto de trabalho extra), agora (e não sei há quanto tempo porque foi a primeira vez que me dirigi a tal estabelecimento) milhares de trabalhadores foram/irão ser despedidos pois as caixas com os seus respectivos trabalhadores estão a ser gradualmente substituídas por caixas automáticas. Não encontro outra expressão senão: um crime! Um crime contra as milhões de mãos desempregadas, um crime contra quem quer dar de comer aos filhos, um crime contra a dignidade da pessoa humana. Diz-me Belmiro, que valor tem o aumento da tua fortuna contra a dignidade de quem poderia estar a trabalhar, e não o está devido às tuas mesquinhices?

O QUE NÓS DIZEMOS

SOBRE A NOVA LEI DAS AUTARQUIAS,

Cozinhada pelos dois partidos que ocupam o poder há 31 anos,

disse o deputado do PCP, António Filipe:

«Se sabemos pelo PS que o País está mal devido à incompetência do PSD,
e se sabemos pelo PSD que o País está mal devido à incompetência do PS,
qualquer cidadão com um mínimo de bom senso perceberá que, quando tantas incompetências se juntam, não pode sair coisa boa».

E disse bem!


A REVOLTA DA MARINHA GRANDE

O 18 DE JANEIRO DE 1934


À entrada em vigor do Estatuto do Trabalho Nacional que, inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini, decretava a ilegalização dos sindicatos livres, a classe operária responde com a luta.
As organizações sindicais convocaram para o dia 18 de Janeiro de 1934 uma greve de características insurreccionais.
Tiveram lugar importantes acções grevistas e manifestações em Silves, em Coimbra, em Lisboa, no Barreiro, em Setúbal.
Contudo, foi na Marinha Grande que a greve, encabeçada por militantes comunistas - José Gregório e António Guerra, entre outros - e contando com a adesão maciça dos trabalhadores, atingiu maiores proporções e melhor expressou a elevada combatividade da classe operária portuguesa.
A vila esteve ocupada pelos trabalhadores durante várias horas.
A greve foi brutalmente reprimida: as forças repressivas ocuparam a Marinha Grande, espancaram e prenderam dezenas de trabalhadores.
Manuel Vieira Tomé, dirigente sindical e militante do Partido, morreu nas mãos da polícia política.
A partir dessa data, o PCP afirma-se definitivamente como o partido da classe operária e o grande dinamizador da luta antifascista.

In «85 Momentos de vida e de luta do PCP», edições Avante!

O QUE ELES DIZEM

MÁRIO SOARES DISSE


«Promover um referendo seria pôr uma bomba de retardador no Tratado de Lisboa»


Medo da democracia?
Recordações do terrorismo bombista?

Ou ambas as coisas?

Da democracia na RTP

Os meios de comunicação são pouco democráticos. Toda a gente o sabe. Mas eis que Luís Filipe Menezes descobriu a poção mágica para uma televisão democrática. E descoberta simples vinda de tão douta personagem. Tão simples que é estranho o Sócrates nunca ter pensado nisso. Afinal, o remédio para o fim das acusações de um mono-partidarismo na televisão pública é tão simples que até chateia: a par do António Vitorino e Marcelo Rebelo de Sousa (PS e PSD respectivamente) que têm "tempo de antena" na RTP1, deve-se dar voz a mais personalidades. Doutros partidos, com outras ideologias? Não queriam mais nada! Porque o que faz falta, segundo Luís Filipe Menezes, é "tempo de antena" para o secretário geral do PSD (visto a opinião do Marcelo Rebelo de Sousa ser pouco partidária...) e, para equilibrar os pratos da balança, para uma voz realmente de esquerda. Comunistas? Não, a voz do Manuel Alegre. Isto é: acrescentado o José Ribau Esteves e o Manuel Alegre à televisão pública e o António José Seguro à quadratura do circulo na Sic Notícias ficaria uma televisão verdadeiramente democrática...

POEMA

MEU GLORIOSO PARTIDO

Meu glorioso Partido
Comunista Português,
ao dares-me à vida sentido,
deste-me a vida outra vez.

Na multidão já fui só.
Hoje, em mim, sou multidão.
Basta-me aceitar que sou
como os demais homens são.

O olhar antes estreito
em redor passou-me a ver.
Meu coração no meu peito,
oiço-te noutros bater.

A voz que isolada era
fundi-a numa maior.
Fez-se-me a dor primavera
e a desconfiança amor.

A própria pátria que eu tinha,
idêntica a não ter nada,
de alheia voltou a minha,
por teu dom reconquistada.

Meu glorioso Partido
Comunista Português,
ao dares-me à vida sentido,
deste-me a vida outra vez.


Armindo Rodrigues

Contos do Sul


Dias difíceis II

Estava noite. Cerrada. Nalgum resquício de urze gretada pela canícula dos dias, o vento assobiava legando aos caminhantes a memória de séculos. Iguais na paisagem dos cabeços. Na paisagem da exploração que obrigou, como hoje, gerações de homens a rasgar a carne nos esqueletos vegetais onde o vento referido assobia a dor das gentes de carnes abertas. Vergados pelo peso, mais da fome que dos sacos que transportam, Joaquim Gadanha e seu filho – Gadanha por descendência dos dizeres do povo, que filhos marcam com a filiação que os pariu, e Manel João por gosto de padrinhos – riscam no pó da noite os passos da fuga. Fuga à miséria que os obriga a noites não dormidas, ao sobressalto dos que em casa ficaram esperando ansiosamente o naco duro de pão que ajudará a enganar a fome nos meses de desemprego, junta-se-lhes o burburinho de frases proibidas ouvidas entre os grupos de assalariados no regresso da jorna. Pão e terra. Terra e pão.

Inverno, dizíamos, noite dolorosa nas mão suadas. Passos assustados por pólvora rebentando no ar. Minutos atrás e a guarda saí-lhes ao caminho

-Qué isso? Qué lá isso? Quem vem lá?

Precipitaram-se na curiosidade e estímulo de levar alguém para apresentar a superiores que lhes subissem as divisas... era longo ainda o caminho poeirento... protegidos pelo breu, safaram-se, pai e filho, para o meio das estevas e apressaram-se cabeço abaixo, urzes, braços espinhosos, em direcção à ribeira. Toca do cigano lendário que outrora correu as suas margens roubando a ricos, dando a pobres[1]. Troar da pólvora e alvoroço. Alvoroço nos corações e pernas fraquejando. Chumbada ainda quente, descendo dos céus e salpicando as costas das mãos que sobre os ombros e cabeças seguravam sacos... esperanças de menos agruras e um toucinho. A chumbada sobrou e derramou-se sobre os filhos pequenos chorando sobre a bofetada da mãe. Esfomeada, o choro dos filhos lembrando a sua fome e injusta condição.

E o seu home e o seu mais velho nos destinos que a privação traçou...

Mas não deixemos os cerros onde Gadanha e filho procuram a toca, como raposa fugindo ao frio dos homens que lhes procuram as peles. “Qué lá isso? Quem vem lá?” são as palavras, as únicas, agora, a ocupar as cabeças dos contrabandistas, que obrigam as pernas a mexerem-se sobre um frio de medo que, noutra circunstância, as deixaria paralisadas. Noite antiga. Imemorial no desejo de justiça que os mantêm verticais perante o peso do susto. Mataram Catarina faz dias. Confirma-se a anteriormente já certeza de que a guarda mata. Encarna a ditadura que esventra os seus filhos dos quais sobrevive, numa exploração atroz lembrando Saturno devorando seus filhos, buscando, na sua juventude, a eternidade. Pão e terra. Terra e pão. E a pólvora... chumbada ainda quente que levantou pele fervente nas mãos calejadas. Os calos são os anéis do trabalhador... Ou círculos da fome nas mãos vazias? Foge um pé, cai a carga. E a pólvora... “Qué lá isso? Quem vem lá?” Manel João arrasta-se na dor.

–Foge pai, foge! Que será da mãe, da casa, com os dois presos?

-Qué lá isso? Quem vem lá? Estas horas por aqui, nestes cerros? Que leva aí?

-Que quer? Levo o que me faz falta...

Leva a esperança de muitas bocas mordidas pela fome! Leva o pão criminalizado por o crime maior que o proíbe! Leva as letras da resistência que as fardas lêem ao contrário. Levava café. A fuga possível à fome rosnante. E o destino canino do calabouço, premeditado.

Aljustrel, Julho de 2006



[1]Ver, José Rodrigues Miguéis, O Pão não cai do céu ,Lisboa, Editorial Estampa, 1996 [1975/76].

CONTO

Este CONTO conta-nos um interrogatório numa prisão dos EUA - ocorrido num tempo em que, por cá, ocorriam interrogatórios semelhantes.
A confirmar que ELES, os nossos inimigos de classe, são iguais em todo o mundo - e NÓS também.


CÁRCERE

Na cela há cinco polícias fortes e um preso. Os polícias dispõem de meios que tudo alcançam e sabem que o obrigarão a confessar.
Como feras esfaimadas, atiram-se ao preso, às cegas, numa fúria. No fundo, sentem-se mal, porque a cela é demasiado pequena para tanta gente. Além disso, os fatos pesados são um estorvo e os colarinhos duros incomodam terrivelmente.
Os polícias transpiram, rosnam e praguejam. As matracas erguem-se e baixam-se sobre o homem sem liberdade.
Na cela há cinco polícias fortes e um preso.

Para principiar, torceram-lhe os braços até estalarem as articulações. Bateram-lhe na cabeça com a matracas. Depois, deram-lhe valentes pontapés, ao acaso. Pisaram-no e amassaram-lhe o nariz.
Na cela há cinco polícias e um preso e os polícias sabem que o obrigarão a falar.

No céu distante entremostra-se a Lua, branca e inocente, para desaparecer de seguida, sabendo que não faz falta.
Passa um automóvel na rua e uma rapariga ri-se para o homem ao seu lado.
No corredor da prisão, enquanto o bico de gás solta no espaço a sua monótona e triste melopeia, o carcereiro brinca com as chaves.
Saudosamente, os presos do mundo inteiro sonham com os lares perdidos, com carícias já esquecidas.
Entretanto, na cela, os cinco polícias sovam e interrogam o preso e gritam-lhe que há-de falar!...
As duras matracas e os rudes sapatos martirizam o preso e induzem-no a falar.
O coração opresso sugere-lhe que fale. Como criança amedrontada, o pobre corpo já sangrento soluça:
- Fala!
Em torturada agonia, o cérebro arde-lhe e clama:
- Fala!
E o sangue latejante segreda-lhe:
«A tua mulher está à espera... É só falares...»
E em todo ele um milhão de vozes grita:
- Fala!... Fala!...
... mas o preso não quer falar.

Ao longe, na cidade, a noite é calma e silenciosa. Nas ruas dormentes, homens e mulheres deslizam em idílios.
Os polícias balouçam os bastões e bocejam sonolentos.
No sossego das suas casas, depois de um dia enervante nos tribunais, os juízes lêem versos às esposas.
No escuro dos cinemas, há pares de namorados que, em contacto furtivo, vibram de desejo.
Em quieta paz, as mães aconchegam ao seio os filhos pequeninos, enquanto o pai, descuidado, fuma num cachimbo velho.
E é tão tranquilo e calado o conjunto dos milhares de casas que o bater do relógio parece voz gigantesca.

Na cela há cinco polícias fortes que espancam um preso.
E sabem que ele falará!

Sem dó, as matracas erguem-se e baixam. Impiedosos, os pés trituram a cara do preso.
Os polícias, como amantes em espasmo, roncam alto. Os colarinhos estão amarrotados, viscosos, nojentos.

O prisioneiro cerra os olhos por instantes e vê miríades de estrelas que refulgem no seu mundo de dor. Cerra os dentes, garante que não falará e morde os lábios.

Com a boca sangrenta, jura que jamais soltará uma só palavra.

Com a boca sangrenta, jura que os cinco polícias fortes nunca o obrigarão a falar.


Michael Gold

MOMENTO MUSICAL

EMENTA POÉTICA

Um dia destes, passando os olhos por uma ementa afixada à porta de um restaurante, deparei com o seguinte «prato»:

«DUETO DE SALMÃO E GAROUPA ENAMORADOS, EM MOLHO DE CEBOLINHO»

Lindo! - sonhei- vamos lá apreciar este momento musical.
E decidi avançar...

Antes, tive, contudo, o bom senso de olhar para a coluna da direita: a dos preços.
E foi como sair do sonho e mergulhar no pesadelo: 22 euros!

E não avancei. Ou melhor: avancei rua abaixo - pensando que no reino de Sócrates também poesia está pela hora da morte.

Veja - Parte IV

"Para se livrar de Che, Fidel o mandou à Assembléia-Geral da ONU".

Delírio absoluto. Che era o segundo nome do estado cubano, o principal porta-voz da revolução, depois do próprio Fidel. Guevara viajou a inúmeros países e assinou diversos tratados de assistência econômica e militar com outras nações socialistas. Era perfeitamente normal que representasse Cuba em uma Assembléia da ONU.

"Como ministro e embaixador, não conseguiu o que queria".

Texto vago, até impede um comentário mais elaborado sobre algo tão pobre. Registramos apenas que Che NUNCA foi embaixador de Cuba.

"Che propôs a seus comandados lutar até a morte no Congo, mas foi demovido do propósito pela soldadesca".

Mentira deslavada. Che organizou a retirada da tropas cubanas, quando uma das facções congolesas entrou em acordo com o governo que até então combatia. Isso abriu caminho para avanço das tropas mercenárias financiadas por conglomerados mineradores da África do Sul, lideradas pelo assassino Mike Hoare.
Diante do iminente massacre, Che ORDENOU a retirada de todos os cubanos do Congo. Claro, Veja cria sua própria versão da história.
E mais: dois soldados cubanos não conseguiram chegar a tempo ao barco, às margens do lago Tanganica, que os levaria à Tanzânia e ficaram perdidos em território congolês. Che mandou um destacamento da inteligência cubana em busca dos dois, que foram encontrados vivos, quatro meses depois, quase em território ruandês. Comportamento estranhíssimo para um louco sedento de sangue, egoísta e assassino até de seus próprios homens.

"Três fatos ajudaram a consolidar o mito. O primeiro, a morte prematura, que eternizou sua imagem jovem(...) a pinta de galã".

Ridículo. Diogo Schelp deveria procurar ajuda terapêutica. Acreditar que a aparência física de Che Guevara é responsável por sua irreversível entrada na História é algo que Freud pode explicar.

Sou parte desse mundo da ternura!


Ontem, durante o relato da sua história de vida que eu recolhia no âmbito de uma investigação que desenvolvo sobre Reforma Agrária em Ervidel (Aljustrel), esta mulher, oitenta e sete anos marcados nas rugas e na voz - bem como na ternura que só tal idade pode acarretar - , disse-me com os olhos embargados na brasa da comoção! " Sou comunista! Comunista. Comunista!" E eu senti como também o extremo da ternura ata o estômago numa comoção profunda. Quando de lá saí, trazendo comigo ainda mais a Etelvina no coração, soube que o legado das gerações é muito mais que o possível peso de alguma responsabilidade maior. É, acima de tudo, uma partilha de experiências e de lutas que só a ternura pode compreender. E saí roendo as esquinas do meu sentir. Dizendo aldeia, campos fora: «eu também Etelvina! Também sou! Também me incluo nesse mundo de meiguice que me deste hoje! Tão funda... mas tão funda que me pergunto: como pode ser possível, depois de uma vida com tanta pancada?» Agora percebo um pouco melhor o coração dos Homens bons. Obrigado!

POEMA

A sociedade de consumo é um balcão.
Nela se vende o pão,
se vende o amor,
se vende o sonho, se vende a bondade,
se vende a justiça, se vende o favor,
se vende o acesso à informação,
se vende a modéstia, se vende a vaidade,
se vende a honra, se vende a fé,
se vende a vontade, que é uma ilusão,
se vende a morte, que não o é.


Armindo Rodrigues

O SALÁRIO DO CRIME

A CONSCIÊNCIA E A OPORTUNIDADE


«Como Blair já provou, política é investimento»: eis o título de um artigo hoje publicado no DN, que nos conta a vida de Blair após a sua carreira de primeiro-ministro.

Primeiro, o drama: com quatro filhos a cargo, a pensão de antigo primeiro-ministro - «64 mil libras anuais (85 mil euros)» - não chegava.
É certo que a mulher «ganha fortunas como advogada», mas Blair não é homem «para depender dela». Vai daí, resolveu ganhar dinheiro. É de homem!

E o jornalista conta-nos os caminhos trilhados por Blair em busca de sustento digno para os filhos.

Numa primeira fase, Blair dispôs-se a «escrever as suas memórias» - pelo que recebeu, «de avanço, cinco milhões de libras».
Depois, fez umas palestras e arrecadou mais «500 mil libras».
Finalmente (até ver...) foi para «conselheiro» do banco norte-americano JP Morgan onde, graças à sua «experiência» e à sua «lista de contactos», vai ganhar «um milhão de dólares anuais (680 mil euros)» - com a vantagem de se tratar de um emprego em part-time.

Aí estão, confirmadas no Blair-chefe-de-família, as superiores qualidades do Blair-governante: sempre, sempre com os EUA no horizonte.

No entanto, ao que parece, o tacho de «conselheiro» do JP Morgan «caíu mal, sobretudo nos sectores de esquerda do Partido Trabalhista», pois vem quebrar «a tradição» de os ex-primeiros-ministros trabalhistas não terem «laços com o mundo dos negócios».
Mas o autor do artigo explica que Blair - certamente no quadro do seu objectivo de «reinventar a esquerda europeia» - «sempre foi pródigo em contrariar tradições do seu partido» - e remata, pragmático: «É tudo questão de consciência. E de oportunidade».
Claro: a consciência de que a função de lacaio rastejante de Bush viria a traduzir-se na oportunidade de receber o devido prémio.

E há que reconhecer que, se o prémio é este, Bush paga pouco.
Ou, se se preferir, Blair faz-se pagar mal - conhecida que é a ajuda que deu a Bush no assassinato de centenas de milhares de inocentes.
Por muito menos do que isto, qualquer gangster de terceira categoria lhe pagaria muito mais.


CORAGEM, DISSE ELE

CRIME, DIGO EU


Em entrevista ao DN, Jorge Sampaio - que foi Presidente da República e, agora, como a generalidade dos ex-governantes da política de direita, tem um qualquer cargo internacional, presumo que muito bem remunerado - considera que a política do Governo de Sócrates na área da Saúde, «tem sido muito corajosa».

Louve-se a «coragem» de Sampaio ao louvar a «coragem» do Governo em fechar hospitais, postos de saúde, urgências, maternidades; e em aumentar as taxas moderadoras, as primeiras consultas, os internamentos hospitalares - com os resultados que conhecemos (mortes, inclusive) e os que desconhecemos (e que não andarão longe de tragédia nacional).
Não há dúvida de que a saúde dos portugueses está bem entregue nas mãos de gente com tanta «coragem» - e dos que a aplaudem.

Mas Sampaio não se fica por essa confusão entre crime e coragem: ele considera, também, que «o Governo precisa de explicar» aos portugueses os méritos da sua corajosa política de saúde - porque, como estamos fartos de ouvir dizer, as pessoas são ignorantes, estúpidas, umas bestas pobres e mal agradecidas que nem entendem a coragem dos que, corajosamente, lhes tratam da saúde.

Será que estes governantes e ex-governantes perderam completamente a vergonha e o pudor?

Veja- Parte III

"Em seis meses de comando em La Cabaña, duas centenas de desafetos foram fuzilados".

Mais uma mentira. Na verdade, foram cerca de 550 condenados à morte e não eram "desafetos" ou apenas "gente incômoda", como diz Veja. Eram, principalmente, corruptos e torturadores do antigo regime. A matéria não diz, mas Che proibia tortura e fuzilamentos de soldados feridos ou já rendidos. Isso conta o biógrafo Jon Lee Anderson, utilizado por Schelp como escora para dar algum peso a seu texto imundo.

"Che descreve como executou Eutímio Guerra, 'acusado' de colaborar com os soldados de Batista".

Guerra, segundo descreve a brasileira Claudia Furiati, autora de uma das principais biografias de Fidel, recebeu uma arma do exército cubano e a ordem de executar Castro enquanto este dormia. Não o fez porque sempre havia sentinelas de plantão nos acampamentos rebeldes. A cada deslocamento da guerrilha, porém, a Força Aérea Cubana atacava o local, coincidentemente sempre que Eutímio deixava o acampamento.
Os rebeldes desconfiaram de seu comportamento, interrogaram-no e ele acabou confessando que era agente do exército. Foi julgado, no meio da selva, e condenado à morte, como ocorreria com um traidor em qualquer outra guerrilha do mundo. A justiça guerrilheira nada mais é que uma corte marcial adaptada às circunstâncias do momento. Guerra pediu que os rebeldes, caso triunfassem, educassem seus filhos. Hoje, seus descendentes são oficiais das Forças Armadas Revolucionárias.
Fidel não determinou quem executaria a tarefa de execução do traidor. Che Guevara realmente assumiu a incumbência, fato incontestável e, entre tantas linhas, um dos poucos acertos de Schelp.
Apenas deve se registrar que ele não matou um pobre camponês, mas um homem que pôs a vida de centenas de outros em risco. Por que, segundo a lógica de Schelp, os guerrilheiros podem e devem ser bombardeados por conta de uma delação e correr risco de morte e o responsável pela traição não pode ser executado?

"Ernesto Guevara Lynch de la Serna nasceu em uma família de esquerdistas ricos na Argentina".

Mais uma atrocidade de Schelp, que sequer conhece o nome da vítima de sua caneta. O nome de Che era simplesmente Ernesto Guevara, segundo os registros argentinos, e seus pais não eram ricos nem esquerdistas. Nenhum deles tinha filiação partidária, eram abertamente contra o governo Perón, que seduziu a esquerda argentina com seus projetos voltados aos descamisados, como a primeira-dama Eva Perón costumava se referir aos segmentos mais humildes da população argentina. Ernesto Guevara Lynch e Celia de la Serna, os pais, tampouco eram ricos. Viviam como um típico casal de classe média alta, se tanto. Moraram na Recoleta, o bairro mais elegante de Buenos Aires, quando a avó de Che morreu e lhes deixou como herança um apartamento. Claro que Veja não conta tudo em detalhes. Informar não é função do jornalismo da Abril.

O QUE ELES DIZEM

ELE LÁ SABE...



«O ministro Mário Lino já deu provas de que é um bom funcionário e que faz aquilo que se lhe pede».

Francisco Van Zeller, Presidente da CIP


ORATÓRIA MIUDINHA

UM FUTURO FEITO DE PASSADO


No Seminário sobre Sindicalismo que referi em post anterior, também se falou do futuro...
Coisa estranha, se tivermos em conta que tudo aquilo cheirava a passado que tresandava.

A dada altura, reportando-se à situação actual, Mário Soares - que, como estamos lembrados, foi o pai do processo de privatizações que iniciou a ofensiva contra a revolução e a democracia de Abril - criticou o «excesso de privatizações».
Não em tom auto-crítico, obviamente, mas mais naquele tom-de-falar-por-falar em que Soares é insuperável...

Sócrates, pôs-se em bicos de pés e, pequenino, discordou alegando que «as privatizações que foram feitas, foram as adequadas».
E constatando que, afinal, bem vistas as coisas, estavam ambos de acordo, embalou, aplaudiu-se e aplaudiu a sua governação de «esquerda moderna, europeia, não dogmática e democrática». E foi ainda em velocidade blá-blá-blá-de-cruzeiro que enalteceu essa sua «esquerda aberta às mudanças» e desancou essa outra «esquerda fixista e conservadora» que só pensa nos trabalhadores, na justiça social, na luta contra a exploração e a pobreza...

Depois, a propósito, abordou um tema que lhe é querido: «os custos (inevitáveis para os trabalhadores) do combate ao défice», e rematou, saltitante e baixinho: «com o défice e a dívida controlada, o país está melhor e terá mais futuro» - com isto querendo dizer que «o país» é o grande capital e que o «futuro» é... o passado.

Esta oratória recorrente de Sócrates - repetitiva, sarrazina, miudinha - faz lembrar aquele passo de uma carta em que Jorge de Sena diz a Vergílio Ferreira: «Tem uma letra tão miudinha, tão miudinha, tão miudinha que as suas cartas do futuro cabem numa estampilha de correio».

Veja- Parte II

"Centenas de homens que ele (Che) fuzilou em Cuba tiveram sua sorte selada em ritos sumários que não passavam de dez minutos".

Quais? Que homens? Qual a fonte de Schelp?
Uma das primeiras decisões do novo governo rebelde, e isso é fato, foi a criação de juízos revolucionários como parte de um processo conhecido como Comissão Depuradora. Todos aqueles apontados como criminosos de guerra ou associados ao regime de Batista foram levados a julgamento. Entre janeiro e abril de 1959, aproximadamente mil colaboradores do antigo regime foram denunciados e julgados por meio dos tribunais revolucionários. Cerca de 550 deles foram condenados à pena de morte.
Ernesto Guevara, na condição de comandante de La Cabaña durante os primeiros meses da Revolução, teve sob seu comando os julgamentos e as execuções das penas daqueles que estavam detidos na fortaleza. Para disciplinar os juízos, estabeleceu um sistema judicial com tribunais de primeira instância e um tribunal de apelações. As audiências eram públicas e se desenvolviam como em um tribunal qualquer, com promotores de acusação, advogados de defesa e depoimentos de testemunhas, tanto arroladas pela acusação como pelos réus. A biografia de Jon Lee Anderson, citada, mas não lida por Schelp, a julgar pelo conteúdo de seu texto, mostra isso com nitidez.
As críticas dirigidas a Cuba por conta das sentenças de morte, à luz dos acontecimentos de então, são mais ideológicas do que movidas por razões humanitárias. Tratava-se de um período pós-guerra, com o país convulsionado e que, ademais, convivia com a possível reação das forças que desejavam a volta de Batista ao poder, minoritárias entre a população, mas poderosas economicamente.
Os principais algozes de Cuba, os Estados Unidos e seus aliados da Europa, vencedores da 2ª Guerra Mundial, não julgaram os criminosos nazistas de modo distinto daquele que foi adotado na Cuba revolucionária. Nem por isso houve insinuações de parcialidade contra o tribunal de Nuremberg ou o clamor mundial para que algum acusado deixasse de ser executado.
Entre os condenados aos fuzilamentos em La Cabaña figuravam notórios assassinos, torturadores das forças de Batista e outros criminosos que haviam enriquecido às custas de corrupção e da exploração da miséria da maioria da população cubana.

“Houve um golpe comunista dentro da revolução.”

Em que data isso aconteceu? O jornalista, um obstinado porta-voz da direita reacionária, é tão tresloucado em seus ataques sistemáticos à Revolução Cubana, que deve ter misturado períodos históricos. Houve um golpe de estado comunista na Revolução Russa, em 1917, quando os bolcheviques assumiram o controle do Estado e deram início a criação da União Soviética. Em Cuba, não. Fidel Castro sempre foi o líder máximo da Revolução, desde 26 de julho de 1953, quando atacou o quartel de Moncada, até tomar o poder, com amplo apoio popular (ignorado pela revista), em 1º de janeiro de 1959.

"Na versão mitológica, Che era dono de talento militar excepcional".

Não é verdade. Nem o próprio Guevara acreditava nisso. Um exemplo está em seu diário de campanha da guerra no Congo. Ele começa o livro com a frase "Esta é a história de um fracasso". Além do mais, tendo ou não talento militar excepcional, foi a Batalha de Santa Clara, em dezembro de 1958, comandada e vencida por Guevara, que desencadeou a queda de Fulgêncio Batista. Santa Clara era a última grande cidade antes de Havana e também a última esperança do regime em conter o avanço rebelde.

O VELHO SONHO

SINDICALISTAS DE CARREIRA

A Fundação Mário Soares promoveu um Seminário sobre Sindicalismo.
Para falar sobre o assunto, convidou o próprio Soares e José Sócrates.
Isto, a crer no que dizem os jornais - que, aliás, não dizem uma só palavra quanto ao que, sobre o tema em debate, foi dito no referido Seminário.

Reconheça-se, no entanto, a justeza do critério que presidiu à escolha dos intervenientes.
Mário Soares, quando secretário-geral do PS, foi o cabecilha da operação contra o movimento sindical unitário: dele, e dos líderes de então do PSD e do CDS - todos em fraterna unidade anti-revolução de Abril e com a bênção (e os fundos...) da CIA, via AFL-CIO - nasceu a UGT, antecedida de uma coisa chamada Carta Aberta, com o objectivo explícito de «quebrar a espinha à Intersindical».

Quanto a Sócrates, é também um perito em sindicalismo ao serviço do patronato e, por isso, um digno sucessor de Soares, como pode constatar-se observando as leis que se prepara para fazer aprovar e nas quais os sindicatos da CGTP são um alvo prioritário.

No decorrer do Seminário, ocorreu um episódio pitoresco que acabou por ser a «grande notícia»: um tal Mouta Liz - pessoa que, em tempos, com as suas tropelias esquerdistas deu uma ajudazinha aos que combatiam a revolução de Abril - acusou Sócrates de, na sua intervenção, estar a a fazer «propaganda».
Soares - qual Rei de Espanha - ordenou: «O senhor cale-se, está aqui como convidado mas também pode ser convidado a sair».
Tudo isto dito dentro do mais aberto, amplo e tolerante espírito democrático - como não poderia deixar de ser vindo do «pai da democracia»...

Tenho para mim que este Seminário sobre Sindicalismo não aconteceu por acaso...
Em primeiro lugar, porque com Mário Soares nada acontece por acaso.
Em segundo lugar, porque estou convencido de que Soares não desistiu (nem desistirá) de ver concretizado o seu velho sonho de acabar com a CGTP como central sindical ao serviço dos trabalhadores, portanto unitária, democrática, independente, de classe e de massas.

E o que é que o Seminário da Fundação Mário Soares tem a ver com esse velho sonho? - perguntarão vocês.
E eu respondo: tem tudo a ver com esse velho sonho.

E sugiro: aguardemos para ver...

Veja- Parte I

Há uns meses o Cravo de Abril publicou um relato de uma viagem a Cuba feita pelo Antonio Gabriel Haddad. Tivemos o prazer de contar com a sua visita e de receber um mail solidário com os valores defendidos pelo nosso blog. E, nesse mesmo mail, soube de um artigo. que saiu Outubro passado. numa revista semanal brasileira, reaccionária e imperialista, chamada VEJA um artigo cheio de mentiras e calúnias sobre o 40º aniversário da morte do Che Guevara. Antonio Gabriel Haddad em nome da Izquierda Unida (grupo do qual faz parte) respondeu ao jornalista da revista VEJA. Obviamente que o seu artigo nunca foi publicado. O Cravo de Abril mostra-se solidário com a resposta - nunca publicada, mas que nós publicamos na íntegra (em vários posts, tornando mais apelativa a leitura) - da Izquierda Unida. O artigo original da revista VEJA não foi conseguido, dando no entanto para perceber o seu conteúdo pelas respostas dos camaradas.


“Veja conversou com historiadores, biógrafos, antigos companheiros de Che na guerrilha(...) Por isso, apesar do rancor que PODE apimentar suas lembranças, os exilados cubanos SÃO VOZES DE MAIOR CREDIBILIDADE".

Ou seja, está dada a desculpa para o amontoado de parcialidades e acusações rasteiras que surgem ao longo do texto. Vejamos algumas fontes da revista:
- Napoleón Vilaboa, exilado em MIAMI, que ganhou dinheiro explorando a saída de cubanos pelo porto de Mariel, em 1980, no rastro de um acordo firmado entre Cuba e Estados Unidos;
- Pedro Corzo, do Instituto de Memória Histórica Cubana, sediado em, pasmem, MIAMI! É tão arraigadamente estadunidense que, em seu e-mail de contato, nega até seu nome latino para adotar petercorzo@msn.com;
- Jaime Suchlicki, historiador cubano, da Universidade de MIAMI, é claro;
- Hubert Mattos, exilado em MIAMI, ex-comandante do exército rebelde, condenado a 20 anos em Cuba por traição. Não se sabe por que razões o tirânico regime deixou-o emigrar para os EUA. Segundo a lógica do doentio jornalista, o destino mais certeiro para Mattos deveria ser a morte.
Como se vê, não foram ouvidos cubanos residentes na ilha. Qual o argumento de Veja para isso? Com a repressão em Cuba, eles não sairiam da ladainha oficial. Para Veja, não há pensamento próprio na ilha, apenas fantoches que reproduzem discursos oficiais. Visão mais tacanha é impossível. Os cubanos de Miami são lúcidos e imparciais. Já os que vivem na ilha são teleguiados pelo aparelho repressivo. Então tá.
Sugerimos a Schelp e a seus patrões um passeio de uma semana por Havana. Veja talvez tenha receio de visitar Cuba e descobrir que a ilha não é nada do que sustenta a revista em sua cruzada doentia contra a Revolução. E, para desespero maior de seus algozes ideológicos, está em absoluta normalidade desde o afastamento de Fidel Castro do poder, há 14 meses.
Sim, espera-se um dia a morte do líder, inegavelmente debilitado e já com 81 anos. Mas supor que sua desaparição física eliminará a revolução é um exercício de futurologia típico da revista e do jornalista. Ou, pior, um desejo indisfarçável de Diogo Schelp, a pena de aluguel mais furibunda a serviço dos controladores da Abril.
Prossigamos.



PARABÉNS

PARA UM AMIGO QUE HOJE FAZ MEIO SÉCULO,

este conto de MICHAEL GOLD:


BIG JOE FEZ CINQUENTA ANOS

Alguns cansaram-se de lutar. Outros, perderam a esperança e emudeceram. Outros, instalaram-se na vida, com pequenos negócios de garagens ou modestos estabelecimentos, convencidos de que chegaram a um porto de abrigo e que podem viver em paz.
Outros há ainda que se venderam. Fizeram-se chefes políticos, trabalhistas ou contramestres mercenários da traficância.
Big Joe nunca se calou e não se tornou um «homem respeitável». Lutou. O inimigo fê-lo crucificar cem vezes em cem cruzes, asfixiou-o em centenas de cárceres, espezinhou-lhe a alma e o corpo com aramas de fogo e de mentira. Big Joe viveu entre o espancamento e a perseguição.
Os amigos estavam convencidos de que isto não era vida. A mulher aborreceu-se. Os filhos estandardizaram-se, abandonaram-no, deixaram-no sozinho.
Big Joe estava ligado à mãe por laços de nascimento e por laços de sangue.

Uma vez quiseram fazer dele contramestre, mas não aceitou. Quiseram comprá-lo, e Big Joe riu na cara do «negociante» a gargalhada dos homens livres. Uma vez trouxeram uma mulher para o seduzir e Big Joe riu-se da mulher, olhou-a com desprezo. Uma vez quiseram enforcá-lo, mas nem assim ele deu mostras de cobardia.
Os laço de nascimento ainda o prendiam ao sangue materno.

Nunca soube o motivo porque era leal, nem tampouco porque preferia morrer a desertar. Os pensadores discutiam com ele, procuravam o mistério da sua paixão pela liberdade, mas Big Joe nada podia e nada sabia explicar.
Não seria capaz de dizer que sua mãe o gerara no mar de tempestade da miséria, onde os homens mais valentes, onde os mais fortes chegam a chorar em frente do destino de fome e de doença que ameaça os seus filhos. Não poderia explicar que a confiança de sua mãe brilhava como um farol na noite, guiando o filho pelos caminhos naturais e humanos da justiça, apesar de escuridões e tristezas.
Os laços de nascimento ainda o prendiam ao sangue materno.

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Hoje, Big Joe Connolly faz cinquenta anos.
Há trinta e cinco que luta sem cessar. Os companheiros trouxeram-lhe um presente de amizade e de ternura. Atrás dos bigodes grisalhos, Big Joe cora, como se fosse uma criança de escola.
Os companheiros abraçam-no, comovidos. Todos querem demonstrar-lhe a sua admiração, o seu amor. Vêm raparigas bonitas beijá-lo. Velhas e bondosas mães vêm abraçá-lo, estender-lhe as mãos amigas num agradecimento.
As crianças agarram-se aos joelhos de Big Joe. Puxam-lhe pelas mangas.
Alguém improvisa um discurso simples e comovido, feito de palavras honestas e fortes como tijolos.
Big Joe responde com uma torrente de frases agradecidas, e os companheiros escutam, com lágrimas nos olhos, a voz do homem leal que é um exemplo de coragem e de fraternidade.
É que os laços de nascimento ainda o prendem ao sangue materno.

LÁ, COMO CÁ

CÁ, COMO LÁ


O que mais irrita nestes serventuários do grande capital que ocupam o poder - aqui e por essa Europa fora - é a desfaçatez e a desvergonha com que se afirmam democratas, enquanto na sua prática diária recorrem a métodos que aviltam a democracia e se situam nos seus antípodas.

Exemplo disso é a operação aprovação do Tratado.
A razão pela qual decidiram que não vai haver referendos reside, apenas e só, no receio que eles têm de os eleitores votarem maioritariamente «não» - o PR Cavaco Silva, alertado pelos chefes europeus, fartou-se de alertar para «o preço elevadíssimo» que custaria a eventual rejeição do Tratado.

Isto, porque noutros países da União Europeia, designadamente no Reino Unido e na França, há receios... - receios que fazem com que os cavacos e os sócrates locais andem numa roda viva à procura de argumentos que convençam os seus povos de que a não realização de referendos é a forma mais democrática de procedimento...

Lá, como cá - cá, como lá: se tivessem a certeza de que o «sim» venceria, teríamos referendo e ouviríamos cânticos à democracia que aprovou o Tratado; não tendo essa certeza, não teremos referendo e ouviremos cânticos à democracia que nos livrou de pagar o tal «preço elevadíssimo».


Que grandes democratas que eles são!



POEMA

(CHAMA QUE NENHUM VENTO APAGA...)


A Revolução
parece às vezes que pára
ou que recua
tornando mais funda a escuridão
e a noite menos clara
- como se qualquer Mágica Mão
apagasse o sol dentro da lua.

Mas só os medrosos temem
que a viagem
para a Manhã do Renovo
com limpidez de sémen
termine
- antes que cheguemos à paisagem
sonhada para o povo
por Lenine.

Não. A nossa Revolução
ainda não acabou
nem tão cedo acaba
- como no alto mar
não gela nenhuma vaga
ao sol de Verão.

Não. A nossa Revolução
continuará,
chama que nenhum vento apaga
- enquanto no coração
dos ricos-senhores
doer a ameaça
de os cavadores vermelhos
(o tojo inútil, os estevais, o rasto
das lebres e dos coelhos)
- guiados pelo malogro,
o asco
e a esperança
da sombra de fogo
da Voz do Vasco
colérica e doce.

José Gomes Ferreira

7.5.1925/6.1.2008

LUIZ PACHECO


«Já posso morrer mais descansadinho» - escreveu, poucos dias depois do 25 de Abril de 1974.


Marcou impressivamente a Literatura Portuguesa do século passado.

Foi o nosso Camarada e o nosso Amigo.


Para ele, aqui fica o IMENSO ADEUS do «Cravo de Abril».

QUE FAZER?

LUTAR, LUTAR SEMPRE


Os malefícios do tabaco (reais) e a lei que (falsamente) se diz estar inserida na «missão que o Estado tem de proteger a saúde de todos os portugueses», continuam a ser a grande «notícia».

Assim vão sendo desviadas as atenções de fumadores e não fumadores, dos malefícios reais e das leis (já existentes ou em preparação), inseridas na política anti-social com que este governo agrava todos os dias as condições de vida (e de saúde) da imensa maioria dos portugueses.

Alguns exemplos:
O desemprego atingiu, em 2007, o seu índice mais elevado desde o 25 de Abril - e, com as leis que aí vêm, vai crescer ainda mais em 2008.

A precariedade ultrapassou, já, um milhão e meio de trabalhadores - e, com as leis anunciadas para este ano, a situação vai piorar.

Os salários aumentam (os que aumentam) mas, tal como as pensões e reformas, abaixo da taxa de inflação prevista - que, como a realidade nos mostra, ultrapassa sempre as previsões.

Os serviços e bens de consumo essenciais aumentam - todos - e, regra geral, acima da dita taxa de inflação: pão, queijo, leite, manteiga, arroz, massa, açúcar, azeite; portagens, combustíveis, transportes públicos; prestações de casas; electricidade, água, gás; taxas moderadoras, primeiras consultas, internamentos hospitalares...

Trata-se dos tais «sacrifícios» pedidos a «todos os portugueses» - a todos, menos os chefes dos grandes grupos económicos e financeiros e os seus numerosos colaboradores, aí incluídos os colaboracionistas que fazem as leis do desemprego, da precaridade, dos aumentos dos bens essenciais: os governantes.

É o que se chama entrar no Ano Novo com o velho pé direito da política de direita.

Face a isto, que fazer?
Lutar, lutar sempre.

Mesmo na noite mais triste/ em tempos de servidão/ há sempre alguém que resiste/ há sempre alguém que diz não!

POEMA

Recordo hoje Carlos Aboim Inglez militante comunista que faria 78 anos nesta data. Deixo um poema retirado do seu livro de poesia "Soma Pouca".



PALAVRA DE ESPERANÇA

Ponho o acento mais grave na palavra Esperança
O acento mais grave ponho-o na palavra Esperança

Escutai toda a extensão de caminho que ela traz consigo:
Mas dos pés quotidianos não limpem a lama dos dias quanta
[houver e há tanta

Nem tapem a boca ao tumulto os punhos nos ouvidos feitos
[surdos
Ao coração - esse podem deixá-lo pesado se o estiver e como
Mas espantem o sono dos olhos já pisados de sonho por demais
E cuspam fora o sarro do tédio o não importa o é sabido e basta


Em cada palavra um grito em cada grito a vida - esse é
[o estrume
Desta flor íntima e pública que vos digo e não é fácil
Não é fácil que a flor brota da aspereza e do nojo
E da fome e da sede dos seios secos e dos ventres grávidos
E dos olhos enxutos e das pedras em pranto
Ah! quanto suor trabalhoso e quanto mais se exige

Escutai toda a extensão de caminho que ela traz consigo:
Desdobra-se o passo caiem horizontes e tão só desponta
Nesta noite de amargura e séculos

Com o rosto sereno dos mortos que sabiam
E das crianças nascendo que saberão um dia
O quanto ele custa - sangue azul de angústia
O quanto ele vale - nosso pão plural

Não não é fácil a flor das raízes aos ramos a seiva sem
[enganos

A vida que vem de traz e continua
Nos pés que se movem inexoravelmente
Para a Manhã que vem vindo porque vamos
- Em cada palavra um passo em cada passo a vida:
Ponho o acento mais grave na palavra Esperança!

Carlos Aboim Inglez em "Soma Pouca"

O VALENTÃO DAS DÚZIAS

SEGURO DE VIDA DE ESQUERDA

Ferro Rodrigues, dirigindo-se ao Governo, opinou que deve haver «menos arrogância quando se pede sacrifícios».
Note-se: não criticou os sacrifícios pedidos, disse apenas que um governo que pede sacrifícios não deve ser arrogante.

Mesmo assim, as declarações do ex-líder do PS foram vistas como um ataque ao Governo, e foram vários os dirigentes que vieram a terreiro em defesa da sua dama - alguns, na opinião do Público, «tentando suavizar as críticas de Ferro Rodrigues»; outros, na minha opinião, lembrando-lhe que se está lá fora, em Paris e bem pago, ao PS o deve, pelo que a sua postura deveria ser de agradecido e não de mal agradecido...

Outra foi, todavia, a posição do inevitável e tradicional Manuel Alegre: na sua inimitável voz de valentão das dúzias, o fogoso deputado rosa qualificou a atitude de Ferro de «conformista» face à política do Governo.
E declamou, vibrante: «Quando ele diz que não há alternativa, no fundo está de acordo com as políticas».
E clamou, épico: «Eu, como socialista, não me conformo que haja dois milhões de portugueses no limiar da pobreza, que as desigualdades se tenham aprofundado, nem compreendo estas medidas de fechar urgências por toda a parte, deixando as populações desprotegidas».

Ouvindo Alegre, dir-se-ia estarmos perante um activo opositor desta política de direita que há 31 anos flagela Portugal e os portugueses; um combatente denodado e intrépido na luta por uma política de esquerda.

Nada mais falso: Alegre é, hoje, o que sempre foi e, tudo o indica, sempre será: o conformado e conformista deputado que, nesses 31 anos, sempre apoiou, de facto, essa política de direita - sempre fingindo que não, sempre invocando, em voz forte e bem colocada, a sua condição de homem de esquerda.
Alegre é o deputado que, ainda recentemente, aprovou com o seu voto o Orçamento de Estado com o qual o Governo do seu partido vai prosseguir e agravar a situação dos que vivem «no limiar da pobreza»; vai «aprofundar as desigualdades»; vai continuar a «fechar urgências» - e vai continuar a fazer outras não menos graves malfeitorias.

E, assim sendo hoje e assim tendo sido sempre, Alegre é o mais antigo e fiel seguro de vida de esquerda do PS, enquanto exímio praticante de um conto de vigário com o qual tem vindo a alimentar o embuste de que o PS é um partido de Esquerda.

E ainda consegue convencer disso... os que disso querem estar convencidos.

BCP/BP/CGD E O MAIS QUE SE VERÁ

ISTO ANDA TUDO LIGADO


Num post de 27 de Dezembro, sugeri que o «caso BCP» bem poderia ser designado por «caso BCP/BP/CGD e o mais que se verá».
Os desenvolvimentos posteriores parecem confirmar o acerto da designação sugerida.

Diz o Público de hoje que a CGD - ainda com Carlos Santos Ferreira como Presidente e Armando Vara como vice-presidente e responsável pelo pelouro do crédito bancário - concedeu empréstimos no montante de mais de 500 milhões de euros para compra de acções no BCP.

Os principais beneficiários desses empréstimos são Joe Berardo, Moniz da Maia, Teixeira Duarte e José Goes Ferreira - este último é «um dos accionistas que está sob investigação das autoridades, dada a sua ligação a uma off-shore que comprou acções do BCP com crédito do próprio banco e que se suspeita que possa ser um testa de ferro do grupo fundado por Jardim Gonçalves».

Com a compra das ditas acções, estes accionistas «reforçaram a sua presença no BCP, o que lhes tem assegurado uma palavra a dizer no combate que se trava pelo controlo do poder no maior banco privado português».
Joe Berardo e Moniz da Maia são, como é sabido, os primeiros proponentes de Carlos Santos Ferreira para a presidência do BCP, numa lista que inclui Armando Vara.

Diz o jornal que, quando a CGD concedeu os empréstimos a estes agora apoiantes da lista de Santos Ferreira para o BCP - em meados de 2007 - «não se previa ainda os acontecimentos recentes».

É caso para perguntar: Quem é que não previa?

Por mim, sinto-me na legitimidade de presumir que esses empréstimos foram concedidos e obtidos por (e a) gente que previa os acontecimentos recentes... mais os que virão a seguir.
Porque, como a vida nos mostra todos os dias, isto anda tudo ligado...